Felipe Homsi e Paulo Roberto Belém
Há três meses no comando do 3º Comando Regional de Polícia Militar, Giovani Valente é responsável por 550 policiais militares que, por sua vez, respondem pela segurança de 22 cidades circunvizinhas a Anápolis. Valente, antes de vir à cidade, estava atuando junto ao Tribunal de Justiça, em uma área delicada: a proteção de magistrados em situação de risco. O coronel minimiza a responsabilidade da PM nos índices de criminalidade na cidade e diz que o desafio é conter o que entra e sai pelas fronteiras brasileiras. “A PM não fiscaliza BRs”, diz. Outro dado que Valente usa para esquivar a corporação do desgastante impacto da escala da violência na cidade é que, segundo ele, “mais de 90% dos homicídios em Anápolis tem a ver com drogas”.
A Voz de Anápolis – Anápolis teve recentemente sequestros, múltiplas mortes, um tenente foi alvejado em um assalto e criminosos foram encontrados com armas de uso restrito. O que está acontecendo com a cidade?
Giovani Valente – Vamos começar pelo armamento. No Brasil, este tipo de arma, com rajada, transformadas em metralhadoras que nós apreendemos, entram pelas fronteiras. Existe uma dificuldade de fiscalização. Não há policiamento efetivo nas fronteiras. O problema não é Anápolis. O problema é que Goiás está no centro do Brasil. Armas e drogas que passam pelas fronteiras passam por Goiás e por Anápolis. A criminalidade em Goiás aumenta justamente pelas cidades onde passam as BRs. No resto do estado nós temos conseguido reduzir a criminalidade, mas a responsabilidade das rodovias federais não cabe à Polícia Militar.
AVA – Os criminosos estão desavergonhados? Porque chegamos ao ponto de um criminoso desafiar um policial sem medo.
GV – Se eu culpar a legislação, os juízes, a falta de efetivo é transferir responsabilidades. Eu vim para Anápolis há três meses e tenho que trabalhar com o efetivo e as viaturas que me são disponibilizados. Depois da autorização do Governo do Distrito Federal para a permanência de uma invasão em Samambaia fez com que houvesse um aumento da criminalidade em Anápolis. O aumento da criminalidade no Entorno do Distrito Federal também impactou em Anápolis. Goiânia também impacta. Em Goiás, não são grupos como no Rio de Janeiro, são pessoas. Às vezes é um ciclista que comanda o tráfico de drogas. E esses grupos entram em confronto. Em Anápolis, estamos entre os grupos de Goiânia e Brasília. Não é que os grupos perdem o receio, eles começam a se expor e isso gera o enfrentamento, seja com a polícia, seja com os grupos rivais.
AVA – O senhor constatou esta realidade assim que chegou em Anápolis ou já recebeu esta informação previamente?
GV – Quando chego em determinado local, eu faço um estudo da criminalidade no local e vejo onde há o aumento desses crimes. Por exemplo: quanto maior o número de feriados, maior é o furto a residências. Para cada tipo de crime, há uma razão. O aumento da criminalidade em Goiânia impacta o aumento da criminalidade em Goiás. Em Anápolis, nós temos um criminoso que dá ordens da cadeia e manda seus comparsas executarem pessoas. Isso não deveria existir.
AVA – Quer dizer que não há uma migração de criminosos? Eles estão usando Anápolis como palco para seus crimes?
GV – Para você entender. O consumo de drogas até a década de 70 era basicamente maconha, que não dá um lucro como a cocaína. Com a entrada da cocaína, principalmente na década de 90, o lucro passou a ser visado. Um viciado em crack consome em média dez pedras por dia. A pessoa que consome o crack se torna um freguês do traficante no mínimo dez vezes por dia. Ele passa a fazer pequenos furtos, roubos, mas chega uma hora em que a situação física dele não permite que ele fique no mundo do crime. Mas ele continua precisando das dez pedras. É neste momento que o traficante oferece para que ele venda nove pedras e fique com uma. Ele vai consumir as dez dele, independentemente de ter vendido as nove e vai ficar em débito com o traficante. O traficante não sai do conforto dele para executar um que deve. Ele coloca uma pessoa para fazer isso. Aumenta o número de mortes de pessoas que não tinham registro algum de agressividade. O que acontece com o tráfico de drogas? Aumenta-se o número de homicídios e os roubos a residências.
AVA – Então o problema é o tráfico de drogas?
GV – Em todo o país. Os Estados Unidos tiveram o mesmo problema. Eles gastaram bilhões, mas o problema só se resolveu depois de três gerações.
AVA – Questões como iluminação pública, mato alto influenciam no aumento da criminalidade?
GV – O mato alto e falta de iluminação faz aumentar os crimes sexuais. O criminoso aproveita da escuridão e do matagal para cometer estes crimes.
AVA – A questão do mato alto em Anápolis é recorrente?
GV – Não vou entrar na questão da política municipal. Mas em Goiânia, a Prefeitura multa quando o proprietário de um lote não capina. Isso aumenta, lógico, a sensação de segurança.
AVA – Qual é a importância das políticas públicas para a diminuição da criminalidade?
GV – Eu entendo que a criança não pode estar à mercê dos criminosos. A escola tem que ser em tempo integral. Por exemplo, no Filostro Machado temos um centro cultural que não funciona, porque ele atrai as crianças e adolescentes para um ponto que o traficante utiliza para distribuir drogas. Eles consomem drogas naquela quadra. Deveria ser um local em que a comunidade aprende capoeira, por exemplo, mas está sendo usado para consumir drogas.
AVA – Temos informações de que o programa de esporte e cultura da Prefeitura foi reduzido e estaria contribuindo para este cenário. Em algum momento na PM tem este diálogo com a Prefeitura para falar sobre esta situação e o aumento da criminalidade?
GV – Nós fizemos uma proposta para a Prefeitura – eu sou contra viatura parada em um mesmo ponto, porque ela vai sair dali para atender ocorrência ou para patrulhamento. Fiz uma proposta para a Prefeitura para criarmos uma unidade policial ao lado deste centro cultural. Levar o policiamento ostensivo para os bairros mais violentos faz a criminalidade diminuir sem aumentar o efetivo.
AVA – Mas outros bairros não podem exigir o mesmo serviço?
GV – Nós pegamos o bairro mais violento, com maior taxa criminal, que estava impactando toda a região. A presença policial no local impacta a criminalidade. O Rio de Janeiro fez isso, com as unidades pacificadoras.
AVA – Em Anápolis existiam pontos de descentralização do atendimento policial?
GV – Eu entrei na PM em 1988, quando tinham implantado os Postos de Policiamento Militar. A Polícia Militar desativou isso em 1998. Ficava um homem lá, ele não iria atender a ocorrência sozinho, então chamava a viatura. Isso, o próprio cidadão poderia fazer. E o efetivo para manter esta estrutura era muito grande.
AVA – Uma questão que sempre vem à tona é a truculência policial. Qual é o limite entre ser truculento e estar combatendo o crime?
GV – É muito difícil falar isso, depende da pessoa que está sendo abordada ou presa. A ação da polícia depende muito da reação da pessoa. Existe um treinamento para cada tipo de abordagem. A reação da pessoa é que leva a tipos de abordagens que você chamou de truculento, mas eu prefiro chamar o termo de ser mais rígido. O público que tem maior envolvimento com o crime é de pessoas com 15 a 25 anos. Se você olhar as reclamações de truculência também está neste grupo. Nesta fase, as pessoas têm os ânimos mais exaltados e tendem a enfrentar o Estado, os pais, a comunidade. Para este grupo específico, a abordagem da Polícia Militar tem tido algumas reclamações, mas a ação da polícia depende muito da pessoa que está sendo abordada.
AVA – Dependendo da atitude da pessoa que está do outro lado, é um risco que ela está correndo?
GV – Eu vou dar um exemplo. A legislação norte-americana fala que se o abordado tirar a mão do volante, significa que ele pode pegar uma arma e o policial pode atirar. No Brasil, nós não temos legislação assim. Quando vamos abordar uma pessoa, temos que ter uma preocupação em como a pessoa vai reagir. O número de armas apreendidas é muito grande. Para cada dez veículos abordados, em mais da metade encontramos armas. É muito grande o número de armas. É difícil para nós sabermos quem vai reagir ou não. Para a Polícia Militar, grupos de pessoas em veículos, nesta faixa etária, de 15 a 25 anos, em locais de grande incidência criminal, é uma abordagem diferenciada.
AVA – O senhor teme, após estar ocorrências de Goiânia, o assassinato do Robertinho e esta agressão grave contra estudante Mateus, que haja uma revisão das formas de abordagem anunciada pelo secretário?
GV – A investigação não tem dado uma resposta que a população cobra. A Polícia Civil, talvez por falta de estrutura, não consegue dar esta resposta. Isto fez com que parte do efetivo da PM vá para as investigações. Como a Polícia Judiciária não tem conseguido atender às demandas, a população cobrou resposta. A comunidade tem nos cobrado e temos feito este serviço bem feito. Existem falhas? Existem. Quanto à manifestação em Goiânia, eu acho muito cedo para nós condenarmos o capitão. No caso específico deste rapaz, ele estava mascarado, com um grupo de mascarados e jogando rojão, inclusive agredindo uma pessoa.
AVA – A legislação favorece mais os bandidos ou a sociedade?
GV – Vou falar algo que talvez vocês não concordem. Na redemocratização do país, houve uma assembleia constituinte preocupada em dar muitos direitos aos cidadãos. Não se especificou que cidadãos são esses. Os criminosos usam essa proteção da legislação para cometerem seus crimes. Que recado a sociedade está recebendo ou que recado nós estamos dando para uma pessoa que está começando na vida do crime que uma pessoa condenada a 30 anos, como o José Dirceu, está sendo solto? Nós estamos falando que condenado só fica preso quem não tem dinheiro. O recado que você dá para a sociedade é que é bom, é fácil cometer o crime, basta ter dinheiro. Tem preso que a gente encontra com sete, oito mil reais no bolso.
AVA – Como tem sido combatida a corrupção dentro da corporação?
GV – A polícia ostensiva tem uma taxa de corrupção baixa, a não ser em serviços que não são de polícia, mas que ela executa, trânsito, rodoviário, ambiental e que geram multas. Nestes casos, os registros de corrupção são altos. Mas é difícil a corrupção, até porque cada um dos PMs são identificados pelo uniforme. Nos casos encontrados, a punição ocorre, podendo gerar até demissão. A Polícia Militar tem código disciplinar.
AVA – O senhor presenciou algum caso?
GV – Houve um caso de um policial que pegou um CD dentro de um carro e foi demitido.
AVA – O número de policiais é baixo em Goiás?
GV – Eu entrei em 1988, havia 15 mil policiais. 29 anos depois, são 11 mil policiais. A população do estado cresceu e o número de policiais não acompanha. Eu entendo que problema é financeiro. A população não quer a sensação de segurança. Ela quer a viatura na frente da casa dela.
AVA – Como o senhor avalia a vinda de 600 presos de Aparecida de Goiânia?
GV – Temos um presídio em Anápolis um presídio lotado, em péssimas condições e está sendo construído um presídio para colocar metade destes presos. A capacidade deste presídio novo era somente para a metade e por causa de uma rebelião foi transferido o dobro de presos que caberia no novo presídio. O que acontece? Eu continuo com problema no presídio antigo, tenho que retirar um efetivo para colocar na guarda do novo presídio. E o novo presídio atrai um fluxo de pessoas que aumenta as taxas criminais do município. Para eles se deslocarem para Anápolis, é um custo muito alto, não tem nem asfalto para chegar ao local. Foi o presente da minha vinda pra cá. Eu chego aqui, uma semana depois enviaram os presos. Eu tive que tirar parte do meu efetivo, até que eu consegui recursos para pagar meus policiais em horário de folga para vigiar o presídio.
AVA – Quantos policiais tem em Anápolis?
GV – 550.
AVA – Quantos no presídio?
GV – É uma informação que eu prefiro não passar porque é uma informação que impacta na segurança lá.