Paulo Henrique Amaral: “As pessoas estão com medo da Reforma da Previdência”

Felipe Homsi e Paulo Roberto Belém

Paulo Henrique Amaral é graduado em gestão de RH e desde 2012 é funcionário de carreira do Instituto Nacional de Seguro Social aprovado como técnico do seguro social. Ele já atuou nas cidades de Minaçu, no estado do Amazonas, em Goiânia, assumindo a gerência executiva do INSS de Anápolis em 2016. Na entrevista, ele confessa que não imaginou que iria presenciar em sua carreira uma pretensão tão ampla do governo quanto a Reforma da Previdência. Mas com o ônus de sua função, ele detalha as mudanças mais atualizadas da matéria em discussão no Congresso Nacional, considerando como “uma última cartada do governo” as alterações que foram feitas em relação à proposta original da matéria. Ele também chama a atenção para pontos da reforma que, segundo ele, estão passando despercebidos, mas que vão atingir, individualmente, todos os trabalhadores brasileiros.

A Voz de Anápolis – As últimas alterações feitas na redação da Reforma da Previdência seriam uma última cartada do governo para emplacá-la?

Paulo Henrique Amaral – Acredito que seja uma das últimas cartadas do governo porque da redação inicial para mais atualizada mudou muita coisa. Eu acho que o governo cedeu bastante em pontos que eram considerados intocáveis, a exemplo da idade mínima, porque, desde o início, o governo bateu firme dizendo que a idade mínima não seria negociada. Que poderiam mudar qualquer outro ponto, menos em relação à idade mínima. A gente vê nesse último momento que a idade mínima, no caso das mulheres, foi reduzida em relação à proposta inicial para 62 anos. Outro recuo do governo foi na questão das aposentadorias dos trabalhadores rurais. Então, acredito que o governo atendeu várias bancadas para tentar dar uma última cartada quanto à aprovação.

AVA – A ideia dos 49 anos é algo do passado, então?

PHA – É. Isso já foi discutido, foi diminuída para 40 anos. Hoje, para aposentar-se integralmente, o trabalhador já tem que contribuir no mínimo em 30 anos. A proposta original aumentaria para 49, mas isso foi revisto e o que será considerado, agora, são os 40 anos. Então, se a pessoa se aposentar por idade nessa nova proposta iniciaria com uma renda de 70% da média das contribuições de julho de 1994, mas para completar os 100% teria que contribuir 40 anos completos.

AVA – Os indícios de que o governo proporia a Reforma da Previdência assustaram os anapolinos que estão à beira da aposentadoria, por exemplo?

PHA – Eu não diria só os anapolinos. Foi uma questão nacional. A gente na gerência regional atende uma área grande. Ao todo são 109 municípios distribuídos em 24 agências. Nós percebemos o aumento da demanda muito grande. É aquela famosa história: a pessoa ir no INSS para ver como está a vida. Pessoas que nunca se preocuparam, estão indo às agências por estarem com medo de como a Reforma irá influenciar a vida delas. Mas se for aprovada da maneira que está proposta não muda muita coisa.

AVA – Sobre a Previdência Social internamente. A alegação de que ela é deficitária é verdadeira ou falsa? Qual o quadro de Anápolis nessa ideia?

PHA – A gente não consegue mensurar as arrecadações locais. A gente trabalha com dados nacionais. Levando em consideração os estudos do governo, a Previdência é deficitária. E Goiás, então, provavelmente será até mais que outros estados do país, menos os das regiões sudeste e sul, devido ao benefício rural. Nesse tipo, as pessoas não contribuem diretamente para a Previdência. Elas deveriam contribuir sobre a as suas produções, só que estas são comercializadas informalmente. Quando é assim, não há recolhimento para a Previdência. Então, às vezes, o homem vai se aposentar aos 60 anos sem ter feito qualquer contribuição direta para a Previdência. Goiás, por ser um estado bastante rural, acaba gerando um grande número de benefícios dessa categoria que não geram contribuição específica para a Previdência. Isso acaba gerando um déficit.

AVA – Por que alguns fiscais e auditores afirmam que a Previdência Social não é deficitária e o que se considera, talvez, é a dívida dos grandes para com a instituição? Essa é uma opinião sua ou você entende que existe, realmente, o déficit?

PHA – Eu entendo que existe um déficit mais relacionado aos benefícios especiais que são aqueles em que não existe contrapartida. Mas a questão das grandes empresas que não pagam INSS é real. Agora, se a gente considerar somente a previdência urbana, ela é superavitária. Mas a gente não pode negar, também, que essa lei nossa é de 1991 e de lá para cá a demografia brasileira mudou muito. Hoje, as pessoas vivem mais e a taxa de natalidade é menor.

AVA – Quer dizer, então, que lá em 1991 os políticos não tiveram uma visão planejada do que seria a Previdência a longo prazo?

PHA – Não tiveram uma visão futurística. Tiveram uma visão momentânea. Eu acho que o Congresso Nacional reage muito pelo momento. Não são gestores. São congressistas que dependem do voto das pessoas e que em algum momento fazem medidas extremamente populares para garantia de votos nas próximas eleições. Às vezes, até se perpetuando no poder. A Previdência, muito das vezes, não foi feita da forma planejada pelo momento. A Previdência já teve regras mais sustentáveis, mas a questão da pensão por morte que se discute hoje: antes de 1991, ela já rezava 50% da renda mais 10% a cada dependente, aí veio o governo e colocou 100%. Quando perceberam, isto estava gerando um gasto muito grande.

AVA – As pressões das classes trabalhadoras estão gerando impacto nos congressistas de hoje, que precisam do voto dessas mesmas pessoas para se restabelecerem na política?

PHA – Sem dúvidas. A gente tem percebido no Brasil uma mudança drástica em relação à participação popular na política. Hoje, com as redes sociais, dependendo do voto do congressista, em cinco minutos manifestações prós e contra estão em todos os grupos de WhatsApp. Estamos na iminência de uma eleição em 2018 na qual grande maioria dos que ali estão vão se candidatar com pretensões políticas até maiores. Com certeza, essa participação popular que tem hoje é que está influenciando. Eu garanto que se não fosse isso, a redação original da Reforma da Previdência passaria sem qualquer discussão, de primeira, só que a pressão popular está muito grande. Embora a memória do brasileiro seja curta, em 2018 ainda dá para lembrar quem votou o que e de que forma.

AVA – Afinal, você acredita que a Reforma da Previdência passe com essas alterações mais recentes?

PHA – Eu acredito que ela passe. Pode até haver alguma emenda ou outra nesse último relatório, mas eu acredito que ainda passe. Porque assim: geralmente quando a mídia divulga que fulano é contra a Reforma da Previdência, é uma informação vaga. O certo é divulgar se é contra algum ponto ou contra a reforma na íntegra.

AVA – E o trabalhador? Ele entende o projeto na íntegra ou por partes?

PHA – O que acontece é que com a falta de credibilidade da classe política hoje em dia o trabalhador nem observa o que está sendo proposto, mesmo. Porque eles olham os congressistas sem a devida moral ética para fazer isso, para mudar a vida deles. A Reforma da Previdência tem muitos pontos que nem se ouve discutir. Que ninguém pergunta. E são coisas que impactam a vida das pessoas, porém elas não estão atentas.

AVA – Que pontos são esses?

PHA – Por exemplo, a questão das pensões. De não poder acumular pensão e aposentadoria. Outro ponto muito relevante que continua no projeto de forma mais amenizada é a idade mínima para o benefício assistencial ao idoso – Loas Idoso – benefício destinado àquele idoso que nunca contribuiu e que não tem renda. Hoje, a regra é de 65 anos para ambos os sexos, a proposta original indicava 70 e na alteração voltou para 67. Nós não vemos a população discutir isso. Outro ponto pouco discutido é relacionado à contribuição mínima dos 25 anos. Então tem que se parar para pensar: será que quando eu, homem, completar 65 anos de idade eu terei, no mínimo, 25 anos de contribuição? E no caso das mulheres: será que quando eu tiver 62 anos de idade eu terei, no mínimo, 25 anos de contribuição? Então são várias outras reflexões que a gente deve fazer com base nessa proposta de Reforma da Previdência que mudará o sistema previdenciário como um todo. Outra coisa, também, que não está sendo discutida e que está nesse relatório final é a forma do cálculo do benefício. Hoje, ele é calculado em 80% dos maiores salários de contribuição de julho de 1994 até agora além de outra série de cálculos para se chegar ao benefício. Com essa proposta vai ser 100%, ou seja, as 20% menores vão entrar também e isso reflete no valor final do benefício. São coisas que, às vezes, estão passando, que a população não está atenta e que é bom ter conhecimento.

AVA – A Reforma vem para dificultar o acesso?

PHA – Não. Se a gente observar, não teve nada que venha dizer que a regra proposta vai passar a ser melhor para o cidadão, individualmente falando. A preocupação dessa Reforma da Previdência é olhar a sustentabilidade do sistema pensando em longo prazo. Não há nada de, por exemplo: para uma pessoa falta cinco anos e com a reforma vão faltar três anos. Não há absolutamente nada que venha no sentido de melhorar individualmente a situação de cada um em relação à Previdência Social, de forma alguma.

AVA – Então, todo trabalhador, singularmente falando, vai ter uma perda com a Reforma da Previdência?

PHA – Vai. Considerando a expectativa de direito que ele tem, alguma coisa vai mudar. A princípio tinha a questão do pedágio de 50% para quem estava quase completando os requisitos. Agora, nesse novo relatório é de 30%. Então se faltava 10, poderá faltar três. Não vai acontecer da pessoa faltar 10 e agora faltar sete. De certa forma, todo mundo será atingido pela Reforma da Previdência.

AVA – Se a Previdência é deficitária, por que não se vê atraso nos benefícios?

PHA – É porque o governo faz aportes. A própria Constituição prevê que na falta de recursos da Previdência, o governo tem que complementar esses valores para que sejam pagos os benefícios. Então, mensalmente são feitos aportes do cofre da União, do orçamento federal, para cobrir o orçamento da Previdência Social. São orçamentos diferentes. Existe o orçamento da Previdência mesmo, um cofre à parte, e existe o orçamento da União que são para os demais gastos: investimentos, entre outros gastos.

AVA – Ontem houve uma grande greve geral que contou com a participação de milhares de trabalhadores de Anápolis. Você acha que essas manifestações influenciam nas intenções do governo?

PHA – Deve ter algum impacto, sim. A população está mais presente. Fruto de que essas movimentações atingem o governo já são essas negociações feitas em relação à proposta original. Então, acredito, sim, que esta greve geral específica pode trazer alguma mudança para os próximos dias tanto para a Reforma Previdenciária como para a Reforma Trabalhista e demais reformas que o governo pretende implementar.

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