O desembargador do TRT-2 Francisco Ferreira Jorge Neto, 56 anos, há oito na função, crê que é cedo para avaliar se a reforma trabalhista trouxe reflexos positivos ao mercado de trabalho. No entanto, afirma que, por ora, ainda não apresentou impactos sensíveis no nível de emprego. “Muito do que veio da reforma, veio para ajudar, e muito para ser objeto de crítica, como a sociedade está fazendo, já que não houve diálogo prévio. Todo o processo foi feito em menos de cinco meses”.
Muito tem se falado sobre a reforma trabalhista nos últimos meses, e as alterações realizadas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) costumam dividir opiniões. Como o senhor avalia as mudanças?
De certa maneira, as alterações, como vieram, não passaram por diálogo com a sociedade civil. Porque todo o processo legislativo da reforma foi feito em menos de cinco meses. Não houve discussão fecunda entre governo, Legislativo, classe jurídica, trabalhadores. A lei foi publicada, mas passou a valer apenas 120 dias depois. Houve pouco tempo para que a sociedade civil pudesse conhecê-la. Nosso Código Civil, de 2002, levou 27 anos para se tornar lei. O CPC (Código de Processo Civil) levou cinco anos para se tornar lei e, com a reforma trabalhista, em 120 dias foram introduzidas pequenas, médias e grandes alterações na estrutura da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), quase 200 ao todo. Algo para que pudéssemos ter pouco tempo para conhecer e interpretar.
Por isso muita gente ainda fica confusa em relação às alterações, em especial as empresas. Com isso, a jurisprudência vai ganhando espaço. Trata-se de um momento de adaptação…
Sim. É uma adaptação. Porque nós costumamos dizer, no Direito, que há a vontade do legislador, o que o leva a regular determinada matéria. Depois que se torna lei, temos a vontade da lei, que é a interpretação que a sociedade civil, o Judiciário e a doutrina fazem a respeito das alterações. Então, às vezes, entre a vontade da lei e a do legislador, leva-se um tempo de maturação, que é um acomodamento, do qual vai ser a corrente interpretativa uniforme a respeito de cada mudança.
Apesar do pouco tempo em vigor (desde 11 de novembro de 2017), é possível realizar, por ora, um balanço do impacto da reforma no mercado de trabalho?
É muito cedo para dizer que a reforma tenha trazido impactos positivos para o nível de emprego. Aliás, se acompanharmos os índices de desemprego, eles continuam variando entre 12% e 13%. Então, de certa maneira, a reforma trabalhista não trouxe impactos sensíveis no contexto do nível de emprego no Brasil. Pode ser que em determinada região ou setor de atividade tenha trazido impacto, mas não no contexto da sociedade e da força de trabalho.
Com a perda da validade da MP (Medida Provisória) 808, no dia 23 de abril, que dava melhor definição a alguns pontos da reforma, como o trabalho intermitente e a atuação de gestantes e lactantes em locais insalubres, por exemplo, voltou a valer o que está previsto na lei. O senhor acredita que, com isso, haverá algum tipo de prejuízo?
Particularmente acho que como a MP 808 não foi votada pelo Congresso Nacional e, logo, deixou de ter vigência, algumas matérias ficaram de certa forma prejudiciais aos funcionários. São elas: o trabalho para mulher gestante e lactante; o trabalho intermitente; a jornada de trabalho 12 por 36 horas; e a questão das gorjetas, que eram pontos básicos da MP e foram sensivelmente prejudicados quando ela deixou de ter vigência. Mas desses quatro, o que mais me chama atenção é o trabalho intermitente, pois a MP o regulamentava e o deixava mais didático.
Neste caso, existe o temor de precarizar as relações do trabalho?
Sim, existe esse temor. Apesar de que a MP 808 não mexeu na terceirização, em que o empregado responde à prestadora de serviço, e não à tomadora, e o horário de trabalho é preestabelecido. Por exemplo, é possível contratar o profissional para que ele atue de terça a sexta-feira, ou apenas um dia na semana. Já o intermitente é contratado pela própria empresa, mas ele não tem dia nem horário predeterminados de trabalho. Neste caso, só há o trabalho quando o profissional for convocado e aceitar essa convocação. Posso contratar alguém por seis meses e, nesse período, chamar para trabalhar qualquer dia, por até oito horas e, se superar esse horário, pagar hora extra. Vale ressaltar que a proibição de 18 meses para contratar alguém que era seu empregado como intermitente está mantida, mesmo sem a MP. A maior crítica ao regime intermitente como está na lei é que o empregado não tem garantia mínima de salário. E, se não atingir um salário mínimo (R$ 954), o empregador não é obrigado a recolher o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). O problema, sabemos, é que um mês hoje sem recolhimento, para daqui a 30 anos, com vários meses perdidos, pode significar a perda de dois a cinco anos, principalmente para o trabalho informal.
Alguns pontos poderão ser alterados por decreto. Mas até o momento o governo não sinalizou que pretende fazer alguma mudança…
Não temos sentido, de fato, uma disposição do governo quanto a essa matéria. O grande problema é que quando a MP chegou no Congresso, foram agregadas quase 1.000 alterações. Isso desconfigura qualquer proposta.
Dados do TRT-SP (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – São Paulo) mostram que o número de ações trabalhistas despencou desde que a reforma passou a vigorar. Na região, nos dez dias após o início da lei houve queda de 93% no ingresso de processos. A que se deve esse forte recuo?
Temos quase seis meses de reforma. Que houve redução do número de processos, isso é indiscutível. Agora, atrelar essa diminuição a uma plena eficácia da reforma é atitude temerária. Porque, em primeiro lugar, não houve aumento sensível com relação à queda do percentual de desempregados e, em segundo, é pouco tempo para que o empresariado pudesse aplicar as novas regras. Logo, a diminuição do número de processos está atrelada às alterações que ocorreram na parte processual. Porque, com a reforma, o trabalhador, mesmo o beneficiário da Justiça gratuita (tem direito quem recebe menos de 40% do limite máximo dos benefícios do INSS, que em 2018 corresponde a R$ 2.258,32), pode vir a ser obrigado a pagar honorários periciais, advocatícios e custas. Antigamente, o empregado não tinha de arcar com esses gastos. E se perdesse prova pericial e o juiz condenasse em honorários advocatícios, e fosse beneficiário da Justiça gratuita, não pagaria.
E isso hoje pesa no bolso…
Exatamente. Então, sem sombra de dúvida, a principal razão é o medo de se pagar para o trabalhador. Mas também não podemos deixar de lado a preocupação da classe jurídica, por parte dos advogados trabalhistas. O que significa que não se entra com novas ações para aguardar como a jurisprudência vai interpretar essas alterações que ocorreram na parte do Direito Processual. São exemplos: a regulamentação da desconsideração da personalidade jurídica; a homologação por parte do juiz do acordo extrajudicial; alterações no tocante às custas processuais; Justiça gratuita e honorários periciais; e regulamentação dos honorários de advogado na Justiça do Trabalho.
Tem havido muita divergência por parte dos juízes em relação às mudanças propostas pela reforma?
Tem sim. Em primeiro lugar, precisamos saber se essas análises processuais se aplicam aos processos distribuídos antes ou após a reforma. Há juízes e advogados que entendem que as alterações na parte de Direito Processual só podem ser aplicadas pós-reforma. Para os anteriores, não. Principalmente na parte das custas, dos honorários periciais e advocatícios. Resumindo, diminuiu o número de processos por uma acomodação, principalmente por conta das alterações na parte do Direito Processual. Não quero dizer, com isso, que minha leitura é imune a críticas. Mas dentro de um contexto jurídico, de quem atua dentro do Poder Judiciário e tem contato com a classe de advogados pelo exercício da magistratura, esta é uma leitura que os operadores do Direito, ou seja, advogados e juízes, fazem. E não os outros segmentos da sociedade civil.
Quanto tempo o senhor acha que vai levar para sair desse estado de acomodação?
Acredito que amanhã (hoje) teremos um marco muito importante. Porque está marcado, por parte do STF (Supremo Tribunal Federal), o exame de uma ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela Procuradoria-Geral da República, que discute as alterações ocorridas no Direito Processual, essencialmente as relacionadas a dois grandes princípios: o acesso e a gratuidade à Justiça.
O Diário completa, amanhã, 60 anos. O senhor enxerga o jornal como um canal para levar ao leitor questões importantes do Direito em linguagem mais acessível? Qual a importância do jornalismo regional, em sua opinião?
Nós estamos em um mundo em que a comunicação é a tempo real. Dizem que se não estamos com o celular no bolso é como se não estivéssemos vestidos. Então, o celular é fonte de acesso à informação on-line. Mesmo assim, isso nunca vai tirar o valor do jornal impresso. Gosto muito mais de ler o jornal no papel do que na internet. Mas, independentemente da versão, acredito que haja mecanismos que falem da sociedade em nível regional, caso do Diário. Porque na vida nem tudo é igual. A realidade da cidade de São Paulo não é necessariamente a realidade de Santo André, como a de Santo André não é a de São Bernardo. O Diário é um porta-voz da sociedade civil local, trazendo informações regionais que não há em outros jornais de grande circulação. E isso é muito importante.
Em algum momento o Diário lhe foi útil de alguma maneira? E o senhor se recorda quando se deu seu primeiro contato com o jornal?
Foi em 1997, em entrevista que dei ao jornal sobre terceirização. Todo dia o Diário é útil para mim. Há pelo menos cinco anos, diariamente, passo os olhos pelo jornal impresso e, aos fins de semana, o leio com muito prazer.
O Grande ABC é uma região em que as relações sindicais sempre estiveram muito presentes. Com a reforma, cada sindicato está se reinventando para manter a fonte de receita. Uns estão cobrando parcela da PLR (Participação nos Lucros e Resultados), outros, taxa com aprovação em assembleia. Como o senhor avalia esta mudança?
A contribuição sindical é uma pedra no sapato do trabalhador, do sindicalista e do empresário. Começa por uma contradição na própria palavra. Existe contribuição obrigatória? Além disso, os valores que se arrecadam da contribuição se direcionam para o sindicato, a federação, a confederação e o governo federal. Então o governo também tem uma participação. A contribuição sindical inibe a filiação espontânea do sindicato, porque faz com que ele não procure outras fontes alternativas de renda, como a associação espontânea. É muito baixo o nível de filiação por parte dos trabalhadores. Isso fez com que os sindicatos, historicamente, tivessem como fonte de custeio a contribuição, e é ela que faz com que o sindicalismo não se renove. É válido, portanto, que a contribuição se torne facultativa. No entanto, acho que necessitaríamos de período de adaptação para que os sindicatos pudessem buscar novas fontes de custeio.